sexta-feira, 5 de abril de 2013

Severino é um cara brabo



A professora passou lição de casa: a construção de um personagem. E meu personagem foi Severino, um cara que eu encontrei no busão...


Na seca do Ceará ouve-se um choro de criança. Era Severino que acabava de nascer pra jogar dados com o destino, pra perder e pra ganhar. 
A parteira era pobre, a família pobre, a casinha pobre, o lugarejo também. O pai não tinha estudo e conseguia pouco dinheiro na cidade. A mãe, como a maioria das mulheres do local, nem saía de casa, ia passar a vida toda cuidando da família. E nem era tão ruim ao seu ponto de vista.
Tempos se passaram e Severino tornou-se um adolescente falante, engraçado e encrenqueiro. Toda semana a mãe era convocada à escola, mas quem disse que ia? Tinha mais sete filhos pra se preocupar. A educação dos meninos ela mesmo fazia. Era simples: quem obedecia, bem. Os rebeldes tinham seus castigos na linha, apanhavam até aprender.
Severino apanhou muito da mãe e apanhou muito da vida. Saiu da escola pra ajudar o pai a sustentar a casa. Trabalhava muito e ganhava pouco. O sol ardia.
A verdade era que Severino era comunicativo, falava mais que a mãe da cobra. Trabalhava com o pai vendendo coisas na feira e ganhava os fregueses só no papo. Sabia o que dizer, a hora certa e o jeito certo. Nisso ele era bom.
Tem alguém em um avião com destino a São Paulo, é ele, 10 anos depois. Baixo, magro e com a postura ruim, ele se dirige ao bagageiro. Só traz uma bolsa pequena com alguns pertences. Sabia que pro Ceará não iria voltar tão cedo, mas deixou suas coisas por lá. Porque as coisas acabam se tornando parte dos donos, e os donos, parte das coisas. Severino levava consigo a alegria do nordeste, mas deixava lá tudo o que o prendia àquele chão.
Ele já arranjou um trabalho, uma família e um lar. Mesmo sem ter muita experiência, ajuda a construir edifícios no centro da cidade. Já faz parte da rotina paulistana: trem lotado, ônibus lotado, gente mal educada, trânsito.
Ontem, no ônibus voltando pra casa, eu conheci Severino, e ele tava brabo:
- São um bando de vagabundo! Uns cara desses tem que morrer! Se eu pudesse, lhe tirava a roupa e lhe metia a cinta! Isso não é vida não. Olha, moço, 15 dias sem ver minha esposa, quando eu volto pra casa, cadê o dinheiro? Que eu vou falar pra ela? Eu queria comprar um tênis pro meu filho, moço, uma roupa pro meu filho, mas e agora? E não era pouco dinheiro não, era bastante, rapaz! Tinha uns mil conto lá! Os caras me levaram tudo! Quatorze anos em São Paulo, nunca que isso me acontece... São um bando de vagabundo! Cê acha que minha mulher vai acreditar em mim? Vai nada! Vai pensar que eu gastei foi em cachaça...