domingo, 28 de outubro de 2012

Conto de Torquato

Artista urbano

          Era sol. Tinha um compromisso, não um compromisso qualquer, mas a responsabilidade de finalmente afirmar o meu desejo de ruptura libidinosa com aquela que até o momento era minha namorada. Impulsionado pelo frenesi da vontade de libertação, peguei o telefone e marquei um encontro no centro da cidade; sim, no centro! Onde a explosão de sons causa vertigem às entranhas de qualquer ser humano; certamente o centro era o lugar propício ao meu desabafo, lá eu poderia gritar à vontade, e talvez até matar a minha namorada caso tudo desse errado.
              Chegamos ao centro e sentamos em um banco - desses que ficam jogados aos montes, de forma aleatória no meio das praças -, o banco era duro e desconfortável, porém mais duro ainda era a minha missão de superar aqueles afáveis olhos de garçonete; minha garganta ganhou aspecto de deserto, de tão seca que ficou; as palavras esvaíram da minha mente como se eu estivesse sendo anestesiado; eu precisava superar tudo isto, olhei à minha volta com uma velocidade impressionante, contudo meus ouvidos foram mais rápidos que meus olhos, pois captaram uma melodia que provinha de um violão, um violão de um artista de rua. A música penetrou em meu cérebro de tal forma que consegui construir um novo castelo para os meus pensamentos, um castelo com uma nova moldura e novos soldados. Estes soldados eram palavras, que com a minha ordem atacaram ferozmente o âmago da minha namorada. Ela caiu aos prantos, derrotada e cingida de lágrimas. Eu levantei triunfante, livre da condição de prisioneiro; virei o rosto e avistei o artista inspirador do meu ato, fui em direção dele e perguntei:
            - Qual é o seu nome? Gostaria de agradecer-te por esta música, poderia eu, pagar-te um lanche qualquer?
              E para minha surpresa, o artista era mudo.



Victor Torquato

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Filme no céu

Luma era desinibida. Adorava seu nome. Luma tatuou no braço o sol, seu escape para quando chovesse demais, se lembrasse.
Ela lia todos os dias os contos feitos por seu amigo, todos os dias antes do sinal. Todos eram uma desculpa, um motivo qualquer para que ela pudesse criar em sua mente, cores, cheiros e sons. Criava um filme, filme, filme, filme.
Pegou a mochila e saiu apressada da aula porque sentia que havia algo importante a fazer. Luma quase voava, flutuava sobre suas sandálias, corria, esbarrava em pessoas, não via. Luma seguia a trilha sonora que havia criado para o último conto de seu amigo. Dançava.
- Luma, cuidado, o carro!
- Olha por onde anda, menina...
- Tá afim de morrer?!
Talvez fosse justamente da morte que Luma saía, ia de encontro com a ressurreição, sua ressurreição. As vozes se misturavam, viravam grande murmúrio batido, liquidificador sonoro.
Luma invadiu a casa, subiu no telhado, parou, sorriu. Entendeu que não adiantava guardar, teria que dividir com o resto do mundo. Sim! Ergueu o pescoço, segurou o vestido, o vento fazia escarcéu. De seus olhos, duas faixas de luz projetaram para cima, o seu filme no céu.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Um e-mail para Cláudia

O Canto do Movimento Corporal e seus resultados em mim

Mistério. Essa é a palavra com que mais me identifiquei durante e depois do curso. Não consigo largar da ideia do mistério que é a minha vida, meu modo de ser, meus relacionamentos, minha profissão e até meu próximo dia, que poderia ser muito bem igual a todos os outros.
É engraçado pensar que tento muito agir segundo a Síntese, tento procurar todas as partes que deixei que se escondessem, mas acabo sempre me indagando se aquela parte de mim realmente era minha rs.
Uma coisa interessante que o curso me passou, nem sei se era uma proposta, mas quando me vejo presa e percebo que as coisas não dependem de mim para se desenrolar, apenas respiro e começo a pensar num vazio, não num vazio ruim, mas num vazio tranquilo, no qual eu consigo ver a minha solução que é simplesmente respirar e seguir, se deixar levar na calmaria. Acho que essa foi a forma de amor que eu encontrei em mim, e que me faz repetir mais um dia sem esperar nada demais dele. Me faz tirar o fone de ouvido e ouvir um velhinho cantando do meu lado, e até arriscar cantar junto com ele. Me faz perceber alguns detalhes que seriam facilmente despercebido sob um olhar ocupado. Me faz ver Deus na natureza e em alguns vínculos que as pessoas criam entre elas.
Depois que o curso acabou, comecei a sentir falta de algo que realmente me fizesse sentar e pensar em mim, nos outros e na conexão que se faz entre os dois. Mas uma coisa não posso negar, depois dessa experiência destruí alguns tabus sobre a dança, o movimento do corpo, o próprio corpo, sobre a sensualidade, a individualidade, sobre o amor transcendental, sobre o Universo e tudo mais que ele me faz pensar.