domingo, 28 de outubro de 2012

Conto de Torquato

Artista urbano

          Era sol. Tinha um compromisso, não um compromisso qualquer, mas a responsabilidade de finalmente afirmar o meu desejo de ruptura libidinosa com aquela que até o momento era minha namorada. Impulsionado pelo frenesi da vontade de libertação, peguei o telefone e marquei um encontro no centro da cidade; sim, no centro! Onde a explosão de sons causa vertigem às entranhas de qualquer ser humano; certamente o centro era o lugar propício ao meu desabafo, lá eu poderia gritar à vontade, e talvez até matar a minha namorada caso tudo desse errado.
              Chegamos ao centro e sentamos em um banco - desses que ficam jogados aos montes, de forma aleatória no meio das praças -, o banco era duro e desconfortável, porém mais duro ainda era a minha missão de superar aqueles afáveis olhos de garçonete; minha garganta ganhou aspecto de deserto, de tão seca que ficou; as palavras esvaíram da minha mente como se eu estivesse sendo anestesiado; eu precisava superar tudo isto, olhei à minha volta com uma velocidade impressionante, contudo meus ouvidos foram mais rápidos que meus olhos, pois captaram uma melodia que provinha de um violão, um violão de um artista de rua. A música penetrou em meu cérebro de tal forma que consegui construir um novo castelo para os meus pensamentos, um castelo com uma nova moldura e novos soldados. Estes soldados eram palavras, que com a minha ordem atacaram ferozmente o âmago da minha namorada. Ela caiu aos prantos, derrotada e cingida de lágrimas. Eu levantei triunfante, livre da condição de prisioneiro; virei o rosto e avistei o artista inspirador do meu ato, fui em direção dele e perguntei:
            - Qual é o seu nome? Gostaria de agradecer-te por esta música, poderia eu, pagar-te um lanche qualquer?
              E para minha surpresa, o artista era mudo.



Victor Torquato

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